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43 países da África têm mortes e OMS teme sobrecarga do sistema de saúde

Em um mês, o número de países africanos que registraram mortes pela Covid-19 mais que dobrou, mostra levantamento com os dados reportados à Organização Mundial de Saúde (OMS) até sexta-feira (1/05).

No dia 1º de abril, 21 dos 54 países africanos, o equivalente a 38% do continente, tinha mortes pelo novo coronavírus. Um mês depois, no dia 1º de maio, essa quantidade aumentou para 43, o equivalente a quase 80% da África.

“Se tivermos mais casos graves, vai sobrecarregar totalmente o sistema”, afirmou Michel Yao, diretor de emergências do escritório regional da OMS na África, no Congo (Brazzaville), em entrevista.

As mortes por Covid-19 aumentaram mais de oito vezes no período analisado pela reportagem: de 185, no dia 1º de abril, para 1.636 em 1º de maio. Sete países da África já têm mais de mil casos da doença.

Países africanos com mais de mil casos de Covid-19 até o dia 1º de maio, segundo a OMS:

África do Sul – 5.647
Argélia – 4.006
Gana – 2.074
Nigéria – 1.932
Camarões – 1.832
Guiné – 1.495
Costa do Marfim – 1.275

Apenas 11 países africanos não tinham mortes reportadas à entidade: Eritreia, Ilhas Comores, Ilhas Seychelles, Lesoto, Madagascar, Moçambique, Namíbia, República Centro-Africana, Ruanda, Sudão do Sul e Uganda, e só o Lesoto não havia registrado nenhum caso de Covid-19 até o dia 1º de maio.

Segundo Michel Yao, um levantamento feito pela OMS aponta que, em toda a região subsaariana mais a Argélia – um total de 47 países -, a média é de 10 leitos de UTI para cada 10 milhões de pessoas. “Na Europa, a média é de 100 [leitos]”, afirma o diretor da OMS.

Também faltam médicos no continente: são cerca de 2 mil profissionais treinados para usar equipamentos de UTI em todo o território.

O país africano com mais mortes é justamente a Argélia, onde, até 1º de maio, 450 haviam morrido de Covid-19. Depois vem o Egito, com 392.

Para Jimmy Whitworth, professor de saúde pública internacional na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, os números podem ser explicados pelo fato de que os dois países foram os primeiros a reportar casos, e, por isso, estão mais adiante na “linha do tempo” da pandemia.

“Estamos no estágio inicial da epidemia [no resto do continente], em que o número de casos e mortes começa a aumentar muito rápido”, explica Whitworth. “Parece que foi para o norte da África primeiro, embora agora estejamos vendo casos em todo o continente”, diz.

Ainda que permaneça pequena, a quantidade de casos na África passou a representar quase o dobro, percentualmente, em relação ao resto do mundo: subiu de 0,67% para 1,2% dos casos totais. O aumento da capacidade de testagem tem a ver com a subida nos números, mas, de fato, o vírus está se espalhando, diz Yao.

“Podemos ver isso agora – por dois dias temos tido uma média de mil casos por dia”, afirma Yao.

Ele afirma que a entidade tem preocupação ainda maior com certas regiões do continente, como o oeste africano, que têm registrado maior número de casos. “A Costa do Marfim, Senegal, Gana, que mesmo com medidas fortes de controle estão tendo aumento de casos”, diz. “Na África Central, temos a República Democrática do Congo, e, no leste, a Tanzânia”.

Na última quinta-feira (30/04), o diretor do Centro Africano para Controle de Doenças, John Nkengasong, escreveu em um artigo na revista “Nature”, uma das mais respeitadas do mundo, que a obtenção de reagentes para testes também é um problema para o continente. Segundo ele, medidas protecionistas – como o veto à exportação de produtos médicos -, adotadas por mais de 70 países que conseguem fabricar esses materiais, têm atrapalhado o diagnóstico em países africanos.

“A Etiópia fez cerca de 11 mil testes – só 10 para cada 100 mil pessoas”, escreveu Nkengasong. “A África do Sul, muito mais rica, fez cerca de 280 para cada 100 mil”.

Ele afirmou que, depois que o código genético do vírus foi compartilhado, em janeiro, vários países começaram a produzir seus próprios exames diagnósticos, mas o continente, por não ter condições de fazer isso, precisou esperar os testes de outros lugares.

Nkengasong disse, ainda, que os países africanos precisam se unir para comprar os testes diagnósticos, em vez de negociá-los individualmente.

“Com a falta de hospitais e alta prevalência de doenças como HIV, tuberculose, malária e subnutrição, as taxas de mortalidade na África por Covid-19 podem ser mais altas que em qualquer outro lugar, até mesmo em crianças. E será mais alta ainda quanto mais demorarmos de introduzir os testes”, escreveu.

Segundo o diretor, o centro de controle de doenças pretende distribuir 1 milhão de testes diagnósticos até a metade de maio, e também há planos para produzir kits no Quênia, Marrocos, Senegal e África do Sul. Uma iniciativa lançada em abril pretende chegar a 10 milhões de testes feitos nos próximos quatro meses.

Além da falta de médicos, de equipamentos, de testes e da pobreza – de acordo com as Nações Unidas, 33 dos 47 países menos desenvolvidos do mundo estão na África -, o continente precisa lidar, também, com outras dificuldades ao mesmo tempo em que enfrenta a pandemia:

Segundo a agência de refugiados da ONU, cerca de um terço da população refugiada do mundo – equivalente a 6,3 milhões de pessoas – está na África subsaariana mais a Argélia. Os campos de refugiados que abrigam muitas dessas pessoas são locais onde o vírus pode facilmente se disseminar, e a OMS já manifestou preocupação com esses lugares.

O Sudão do Sul, por exemplo, tem em seu território 1,7 milhão de pessoas deslocadas internamente, além de outros 300 mil refugiados que fugiram de outros países africanos como o Sudão, a República Democrática do Congo, a República Centro-Africana e a Etiópia.

Para Michel Yao, as medidas de prevenção da Covid-19 – como manter o distanciamento social e lavar as mãos com frequência – são ainda mais difíceis de implementar nesses lugares, onde as condições são precárias.

“Estamos trabalhando com a Organização Internacional de Migração e a agência de refugiados da ONU pelo menos para aumentar as intervenções para controlar o surto e ajudar essas populações particulares”, afirmou.

Yao explica que, em certas regiões, nem mesmo as agências internacionais conseguem chegar.

“Em muitos dos lugares onde temos conflitos – o Mali, o norte da Nigéria, o Sudão do Sul -, o ponto crítico é o acesso. No norte do Mali, é um desafio para qualquer agência viajar, então torna difícil aumentar as intervenções”, diz.

“É difícil entrar em lugares onde as pessoas foram deslocadas, têm menos instalações. Se tomarmos a população deslocada em Burkina Faso, [por exemplo], como assegurar que todas essas medidas preventivas sejam adotadas, que eles continuem a acessar o básico?”, questiona.

No leste do Congo, por exemplo, ainda há também um “grande desafio por causa do acesso e da insegurança”, explica Yao.

“Na República Democrática do Congo, além de conflitos, ainda temos, em algumas áreas, o ebola acontecendo”, lembra Michel Yao. Três dias antes de a OMS declarar a epidemia oficialmente terminada no país, no mês passado, um novo caso foi detectado. A organização ainda tem equipes para o combate à doença lá.

No Níger, um surto de pólio foi identificado no final de abril, e a malária também é endêmica em algumas regiões do continente. Segundo a OMS, mais pessoas morreram por causa da doença do que pelo ebola durante o surto de 2014 a 2016.

Por isso, a OMS está aconselhando os países a não pararem com as campanhas de vacinação durante a pandemia. “O surto de Covid pode durar mais tempo – na África, não podemos nos dar ao luxo de parar os serviços, senão, podemos ter mais mortes por essa doença [malária] do que a Covid em si”, afirma. “Não podemos perder o que ganhamos até agora na África”.

Yao acredita que o avanço, ainda lento, da pandemia no continente se deve às medidas de contenção que foram adotadas na maior parte da África, como o confinamento, o fechamento de escolas e de lugares públicos.

No mês passado, o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, elogiou iniciativas na África do Sul para conter o vírus. “É interessante como a África do Sul está colocando a doença sob controle”, disse. “E como países africanos estão, em geral, mostrando o caminho. A estratégia na África do Sul foi baseada em preparação, prevenção primária, confinamento e vigilância intensa”, afirmou.

Segundo Ryan, 67 laboratórios móveis foram colocados ao redor do país e 28 mil agentes de saúde comunitária foram treinados para detectar casos. 1,2 milhão de testes foram feitos, com 2,7% de casos positivos. “O que é incrível – essa quantidade de testes para esse retorno”, disse Ryan.

Ryan também elogiou a atuação do governo da República Democrática do Congo no combate ao ebola. “Eu acho que, em geral, precisamos aproveitar as capacidades que existem na África, a inovação, a ciência. Precisamos conectar os cientistas, os laboratórios, os clínicos ao redor da África”, disse.

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